segunda-feira, agosto 01, 2005

A Esfera: Parte 2

Noutra ponta da cidade, ele retorcia-se em agonia com a sua demora. Já anoitecera e ainda não havia noticias dela. A Lua espreitava por entre as nuvens com seu olhar rubro, deixando sobre a cidade uma aura de mau agoiro... Tentando combater a falta dela, ele acende um cigarro. A medida que sentia o fumo a entrar os seus pulmões, tambem na sua mente acentava a ideia que ela não estaria viva... Que eles talvez a tivessem apanhado...
Foi ai que, num jacto de coragem, ele decidiu actuar. Começou a subir a rua num passo acelerado e determinação tal que quem o visse pensaria que trazia consigo todo o fogo do inferno. Dentro do seu casaco ele trazia a sua 38. e na sua mente a determinação de que tinha de ser feito a todo o custo... Senão por ele que fosse por ela. Naquela fria estrada que ele percorria, a sua unica companhia era a repetida e doentia canção que vinha do seu incosciente mais profundo "ele tem de morrer, ele tem de morrer!" Na rua corria um vento frio, e a lua vestida de vermelho dançava por entre o céu nublado da cidade como se sentisse que mais sangue iria colorir o negro do asfalto citadino. O cheiro que provinha do mar enchia a rua e trazia à memoria as recordações de como era a cidade antes de tudo aquilo... De como tudo era simples e pacifico... e de como aquele sujeito tinha transformado tudo num inferno... e de como tudo era justificavel em nome do progresso. Era por isso que ele tinha de morrer... era a unica coisa que fazia sentido, a unica coisa que era decente... a unica coisa humana a fazer. Na rua o som das doze badaladas ecoava vorazmente, e por momentos ele ficou a contemplar a rua. Tinha chegado ao lugar onde a pequena cena onde o espirito humano teria a sua mais bela hora. Seria o momento em que a bondade e generosidade venceria a tirania. Ela não teria morrido em vão se ele conseguisse mata-lo. Era uma acção tão simples... entrar, matar e sair... já tinha sido tudo arranjado, não haveria testemunhas e o seu corpo só seria descoberto quando fosse tarde de mais. Ele espreitou pela janela do armazem... O alvo estava lá, ignorantemente esperando a morte com um estupido sorriso nos labios. Foi ai que olhando com atenção para as paredes do armazem... e foi ai que ele perdeu a ultima resta de sanidade que viajava com ele naquela sacra missão... Toda a parede do edificio estava recheada com pedaços de corpos humanos. E antes que esta paisagem desoladora fosse completamente absorvida pelo cerebro ele vislumbrou outro cenario macabro desenrolando-se a sua frente... a origem daquele sorriso estupido...
Sobre a mesa o tirano alimentava-se tal demonio do inferno sobre a rasgada carcassa duma criança de 9 anos. Como um abutre o despota bicava sobre o que sobrava do corpo da criança em movimentos languidos e eroticos... Cá fora, na rua a imagem era demasiado grotesca para ele... lentamente ele sentia a sua mente a sofucar sob uma torrente de loucura... Já nada fazia sentido, tudo parecia ilusorio, estava paralizado sobre a inercia da sua propria esperança na humanidade... Foi nesse momento que ele olhou para a lua, tirou a 38. do bolso e fez a unica coisa que fazia sentido naquela situação.

As 8h horas da manhã deram com o seu corpo, perto da parede do armazem. Uma velhinha a caminho do mercado escorregou nos pedaços de cerebro que ele espalhou pela rua... Para a policia não havia duvidas quanto a causa de morte. A unica duvida era onde estava o resto do cadaver...
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