quarta-feira, agosto 03, 2005

A esfera - parte 3

"Merda..."
Retirou suavemente o braço por baixo da cabeça dela, de maneira pausada, para que ela não acordasse. A respiração etérea da mulher delizava ao longo do queixo áspero dele, enchendo-o de restos de melancolia e medo.
O medo de nunca mais a ter junto dele, de nunca mais voltar a tocar sua pele macia, de não contemplar o longo suspiro vidrado nos seus olhos nos momentos como o anterior...
"Os teus olhos..." Sussurou olhando-a calmamente. Tirou-lhe uma madeixa castanha que lhe caía para a cara, ao que ela fez uma careta própria de quem se encontra num sítio demasiado distante para ter notado...
Ergueu-se da cama e sentou-se á sua beira pensativo. Ela continuava imóvel no escuro intenso da noite. Passando a mão pela barba cerrada e que já deveria ter sido feita á dias, viu-se de novo na mesma situação de há semanas.
É a última vez - pensou voltando a cabeça para o corpo deitado ao lado - depois disto nunca mais teremos de fazê-lo novamente. Prometo.
Avançou para a janela em frente. Lá fora brilhava a esfera branca quase assassinada pelas luzes urbanas.
Lembrou-se da primeira vez. Quando ela lhe disse, não queria acreditar. Mas era realmente um óptimo plano. Com uma cara angelical, a mulher explicava-lhe que só tinha de se envolver com alguns dos homens poderosos pré-escolhidos até conseguir sacar o suficiente dinheiro para fugirem dali... e viverem comodamente durante um ano. As vítimas logicamente que nunca seriam auxiliadas pelas forças federais visto que o dinheiro conseguido seria através de actos ílicitos... Longe dali, só teriam de continuar com as suas vidas...
Vê-la com outros homens fazia-o empalidecer, mas era a única maneira de escapar á mediocridade de existência que ambos levavam antes de terem começado com a prática.
No entanto este homem não lhe inspirava confiança. Desde a primeira vez que sentia algo de errado, um chamariz de desejos sinistros, algo de estranhamente perturbador sempre que o sentia ao pé.
Ele era diferente. E as coisas na cidade também já não eram as mesmas desde que ele chegara. Um nevoeiro de deconfiança formara-se entretanto, entorpecendo os sentidos, impedindo de ver o que verdadeiramente se estava a passar.Era um sentimento estranho. Ele não gostava.
Sentiu duas pequenas mãos, em movimentos contrários, caminhando pelo seu tronco nu até o fecharem numa ratoeira terna.
"Estavas a pensar nele?"
Por detrás dele e apertando-o contra si, figurava a mulher, despida. Beijou-o na omoplata e enrigeceu o abraço:
"Vai correr tudo bem. Este é só mais um... Tu disseste... nós dissémos que seria o último, que ele tem o dinheiro suficente para nos deixarmos finalmente disto."
Ele virou-se, olhando-a nos olhos pediu para ser ouvido, queria explicar-lhe que todas estas sensações tinham sentido, que algo estava errado... Mas ela não o deixou, e pegando-o pela mão levou-o para o quarto, iluminou as trevas e abriu o guarda-fatos...
"Anda. Vê qual é que achas que devia de levar." - disse saindo do espaço.
O olhar dele deteve-se imediatamente num. Retirou-o do guarda-fatos, e depois do cabide. Gritou:
"Este!"
Ela correu, para o quarto entusiasmada. Nos braços do homem estava um vestido comprido, de um azul sombrio, resplandecente e adaptável apenas ás curvas das mulheres mais esbeltas.

"Leva este." Disse dirigindo-se a ela de sorriso nos lábios, selando a frase com um beijo.

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