sábado, dezembro 10, 2005

A esfera - Parte 11

"I put a spell on you
'cause you're mine"

A voz de Nina Simone ressoava no automóvel como o mel em metal da década de 70 (data de nascimento da viatura). Envolvido pela sensação de conforto da sua voz, "o puto" guiava calmamente, seguindo o Audi negro metalizado pelas ruas de manhã.

O carro negro parou e contornou a fachada gótica dum edifício velho. Depois, deslizou para baixo da escuridão de um túnel, que servia de estacionamento de carros para a mesma moradia. Nesse momento o puto foi assaltado pelo dever de telefonar ao Detective: era agora, J., figura dos círculos de poder da cidade, e também principal suspeito de duas mortes tinha acabado de entrar num edifício. O puto combateu o dever que lhe aflorava ao pensamento, no entanto, pensou em averiguar primeiro, de modo a ter todas as respostas quando telefonasse ao Detective. Como os seus lábios se dilataram de alegria, quando pensou em ter todas as respostas na ponta da língua, prontas para as perguntas mais inoportunas do seu superior...

Atravessou o átrio coberto, até encarar a grande porta onde J. se escapulira á minutos atrás. Do outro lado, estranhas grades em formas de gárgulas olhavam-no com desconfiança. Aproximando-se delas, percebeu que eram portões para o jardim privado daquela casa. Viu o mesmo vulto de há pouco percorrê-lo, afastando-se dele e entrando numa casa adjacente.
O puto ainda pensou em usar os seus truques de ladrão já ferrugentos de outras etapas da sua vida, mas quando pousou a mão sobre a maçaneta dourada de ferro maciço e a rodou, percebeu que os truques teriam de ficar para depois: a porta estava aberta.

Sem perder tempo, sem se importar com os quadros de mulheres em estranhas posições nas paredes verde azeitona, sem prestar atenção á simbologia pagã que se afunilava para uma lareira imponente coberta de deuses há muito esquecidos pelo homem, avançou pelas escadas acima. Ainda mais sombria que o piso inferior, o último andar respirava enigmas empoeirados. O que andava o puto á procura? Ele não sabia, mas tinha a certeza que teria de ser algo, algo suficiente para calar um "estúpido" ou mesmo um "idiota" da parte do Chefe.

Os seus olhos fixaram-se de repente. O embrulho que ele vira J. carregar para fora do porta bagagens figurava á sua frente, avançou para ele decidido, rasgou o papel, abriu a estranha caixa de madeira. Uma melodia cresceu, como se de tábuas rangendo se tratasse. Leu a carta rapidamente, e olhou para as fotos, lá dentro. Os seus olhos arregalaram-se muito, tal como o coração perdendo o compasso.
- Rápido, o Chefe tem de saber! - Disse voltando-se para trás, e dando com Ele.

*
- Mãe! Deixa-me ir brincar!
- Agora está a chover, sabes que não podes.
Os prados estão verdes agora! E consigo ouvir o vento a bater! Posso correr sempre, para sempre, posso ser sempre assim! Quando estiver frio, posso enrolar-me nos cobertores há-de me saber bem. E quando estiver sol, penso em lagos que se estendem ao infinito para me ampararem do calor!
- Mãe posso provar a compota?
- Foi acabada de fazer, claro que podes, diz-me o que achas puto.
- É doce Mãe!
*

Sabia que minutos após deixarem de respirar, todo aquele sabor já não era o mesmo. Era bom quando estavam vivas, melhor ainda quando estava conscientes. No entanto, Ele levantou-se insatisfeito. O puto jazia no chão, as suas vísceras vermelhas espalhadas á sua volta... Limpando a boca ao lenço imaculado Ele sussurrou:

- Ughh... demasiado doce.

3 Comments:

Blogger CS said...

Não sou apreciadora de policiais (já percebi que estou deslocada...), mas adoro a nina... and

I can't stand it
Cause you put me down

2:45 da manhã  
Blogger SalsolaKali said...

...hummm...
Um blog em "episódios"...
Não me vais levar a mal Bill, mas volto noutro dia, entretanto, esta semana, qd tiver um pouco mais de tempo e menos cansaço para ler isto tudo. Tenho de tirar p'rái uma hora...
;)
Então e esse estudo? Está indo ou nem por isso?
BJ
SK

11:54 da tarde  
Blogger PR said...

bela nina.

9:20 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home

Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 2.0 Brazil License.