sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Portugal 2070 - 3

Acordei hoje em sobressalto.

Eu e toda a comunidade de São Domingos de Benfica. Um fogo enorme proveniente dos matos descontrolados do Monsanto alastrou e alastrou até atacar as habitações já de si precárias do nosso bairro. Não deixa de ser irónico, até a própria Natureza nos consumir no nosso momento de maior vulnerabilidade. Isto é vingança. Eu sei.
É que apesar de estarmos em pleno Dezembro, as chuvas abundantes alternam com períodos de extremo calor. Não sabemos o que se passa. Fizemos algo, algo extremamente errado desta vez. E agora há o retorno.
Corri pelas ruas apinhadas, as mulheres choravam, os homens salvavam tudo o que podiam. Vi-os e ouvia-os a gritarem pelos bombeiros. Mas os bombeiros já tinham trabalho para hoje. Deviam de ter.
Os miúdos estavam histéricos, de olhos esbugalhados gritavam: "Benfica! Benfica!". Era o fim do Mundo, as labaredas precipitavam-se sobre as barracas construídas a madeira e devoravam-nas uma a uma, de um trago apenas. deus. Deus!
Pensei em ir buscar as minhas coisas, mas depois lembrei-me que já não tinha muito. Era-me indiferente, por isso continuei caminho pelos odores de fumaça, até alcançar a grande estrada.
Quando lá cheguei, perguntavam-me se eu era de Benfica, pelo que lá estava a acontecer. E das vezes em que cometi o erro de dizer a verdade, abençoavam-me, abraçavam-me, choravam por mim. Malditos.
A grande estrada era das poucas em Lisboa que restavam desde o último governo. Através dela circulavam a maior parte dos homens com ou sem rumo, os comerciantes, os mensageiros. Já durava há mais de 100 anos, ainda conseguia ver as riscas brancas, algumas delas ténues, na fronteira do invisivel, que serviam para separar e organizar os automóveis. Automóveis: aqui está uma palavra que ninguém diz com frequência.
Estive muito tempo a andar. Andava e pensava no que o me tinham dito há muito. Houve lá mais á frente um sítio onde se jogava futebol. Uma equipa de 11 jogadores, um relvado verde, e milhares em bancadas á volta. Havia de ter sido bom. Alguns dos homens chegaram mesmo a ser conhecidos no mundo inteiro. E palmas e adrenalina. Foi isso que me disseram. Mas quando lá cheguei, pouco ou nada lembrava essa realidade morta. Buracos em betão armado era tudo o que restava. O edificio em frente, por oposição espelhava grandiosidade e perfeita organização. Apesar dos muros á volta, os arames farpados, os homens em uniforme, via o vermelho velho erguer-se para o céu em cinzas.

A prisão Colombo.

3 Comments:

Blogger CS said...

Eu sou do sporting!

E, sim, sou pequenina (tão pequenina quanto sou maria pedro)!

9:13 da tarde  
Blogger CS said...

eh eh eh!

Não tinha visto ainda o teu comentário ao post dos nerds.

I have a crush on you, Bill!

2:38 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Genial este texto :)

9:38 da tarde  

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