segunda-feira, outubro 05, 2009

Fogo Da Alma: Parte IV

A alvorada encontrou Anibal na areia negra com o ultimo cigarro a arder-lhe na boca. A noite tinha partido com a sua corte circense para os salões do passado deixando o pirata no frio corredor do presente. Preso à sua logica, tentava fazer sentido aos acontecimentos mas tal tarefa parecia titanica. O surrealismo da linha temporal gritava no cosmos ensurdecendo os seus pensamentos. À sua frente jazia a sua fiel “saif”, a espada de estilo arabe ainda rubra do sangue dos homens que o tentaram assassinar... Homens que hoje liderava. Homens que pediam nada menos que o sucesso absoluto.

- “Aquele que matou 8 homens de uma só golpada”...

As ondas trouxeram aquelas palavras e as memorias que cavalgavam com elas...

Há 5 anos atras, Anibal, o filho de pescadores portugueses que tinha quebrado o ciclo de serventia e pobreza que o prendia a terra lusa, partira para a Asia em busca da liberdade absoluta e da riqueza com que pavimentara os seus sonhos. Nessa altura ele era apenas Anibal, o contrabandista... Mas tudo isso mudou na batalha de Karashi. O capitão da frota pirata onde Anibal tinha embarcado, bebado pelo sucesso e a gloria de varios saques sem oposição, levado pela loucura do ouro e no alto da sua megalomania, planeou atacar o coração do comercio maritimo paquistanês: A cidade portuaria de Karashi.

O ataque foi um erro e um fracasso. Quatro naus cheias de piratas pouco podiam fazer contra a magnificencia da frota do Khan paquistanês, dotada das mais modernas maquinas de matar. As ondas vermelhas banharam o porto durante dias a fio até o mar reclamar a sua parcela do saque... Mas das cinzas dos barcos piratas nasceu uma lenda. A lenda dum homem de cabelos negros, armado com uma saif, saltando de barco em barco envolto em loucura e com selvajaria no sangue. Um espirito de vingança nascido daqueles que pereceram, reclamando a vida de dezenas de marinheiros paquistaneses enquanto rasgava a linha da frente. Esse homem era Anibal. Mas nem ele sabia explicar o que tinha acontecido. O que fosse que o possuiu levou consigo as suas acções e deixou um vazio na memoria do portugues.

Sacudindo as recordações e os pensamentos que o atormentavam e a areia negra das suas calças, o pirata ergueu-se e caminhou em direcção a cidade. Agora apenas o presente importava. Era tempo de voltar ao covil de Iraja...

***

O covil cheirava a mofo e tinha o chão forrado com piratas bebados ainda agarrados as garrafas de vinho da noite anterior. Ao fundo da sala Iraja, com seu olhar dementemente lucido, brincava com a sua petiz prisioneira revestida com um humilde vestido de rafia. Anibal continuava a não confiar naquela matilha que na noite anterior o tentara assassinar antes de o coroar em gloria, aclamando-o como um messias prometido por algum esquecido oraculo. A mão esquerda do portugues descansava nervosamente sobre o cabo da espada enquanto os seus olhos varriam todo o ambiente.
- Já temos rumo irmão pirata? – questionou Iraja, saindo do transe que a sua pequena cativa lhe infligia.
- Sim, iremos para oriente. Haverá bom saque e pouca resistencia.
- E porque não para sul meu irmão?
- Não existe nada para sul Iraja. Sabes isso tão bem como eu.
- Não existem certezas... Mas existem lendas pirata. Sabes do que falo... – retorquiu Iraja enquanto brincava com o cabelo da sua pequena escrava caindo novamente numa realidade que não pertencia aquele momento.
Mas Anibal percebeu em que direcção caminhava aquele espirito perturbado: A Ilha de Amardadestão.
Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivs 2.0 Brazil License.