sábado, dezembro 26, 2009
As ondas embalavam o barco sob o olhar indiferente das estrelas. Na proa, Anibal contemplava o vazio da noite a diluir-se no negro oceano. A sua mente fechada sobre si mesma, bloquiando tudo excepto a sua visão. Dentro dele os pensamentos seguiam o pendulo do mar. O porque da viagem,o estranho destino que os aguardava, o rapaz que por sorte embarcou e o seu estranho pedido. Anibal tentava a todo o custo assimilar as informações que recolhia e encontrar respostas... Mas tal não acontecia... Algo não fazia sentido...
domingo, dezembro 06, 2009
O Fogo da Alma: Parte VI
O mar agitava-se como um animal acossado depois de se aperceber que se encontra numa ratoeira. A sua superfície branca e volátil debatia-se esmagando-se contra o casco a estibordo, graças a um vento poderoso proveniente de sítios longínquos. No convés entravam por vezes os resquícios das águas que se exaltavam nesse vociferar contínuo ao embater contra as superfícies sólidas do navio. O sol podia-se tornar desconfortável para a tripulação, mas já a meio do mar alto, a maresia e humidade instalada apaziguava os seus excessos. Aproveitando a potência do ar em circulação ia o velame dos três mastros arqueados e planos espelhando o branco puro em seu redor. Na proa, frente ao gurupés, Aníbal observava todo o navio na sua plenitude, os piratas abraçando as cordas, mais além outros dois conversando. Um deles de costas para si, parecia mirar o mar. O veleiro seguia rápido e destro, traçando uma rota para um local que só Aníbal sabia qual era, ou melhor, ele e o petiz que se lhes tinha juntado há duas semanas e que raramente aparecia fora do porão. Aníbal indagou-se sobre o pequeno rapaz, os seus modos e a sua indiferença à vida a bordo depois de tão veemente ter insistido para se juntar à tripulação.
- Mastro grande a todo o pano!
E Aníbal fitava o desenrolar de mais e maiores velas que caíam na sua direcção para logo incharem com a força do vento titânico. Foi só quando caiu a ultima que tudo mudou. Aníbal viu-a desdobrar-se lentamente, demasiado lentamente enquanto uma grande nuvem cobria o centro do sol e avançava para o seu perímetro. O azul profundo retrocedeu no seu espectro de cor para dar lugar ao vermelho incandescente – achas de uma fogueira que ficou por carbonizar – e reflectiam o brilho intenso para si. Nesse momento Aníbal reparou nos olhos dos seus camaradas à sua volta, despojados de humanidade e da família dos pensamentos senis voltavam-se para ele focados, atentos.
Aníbal deu por si a dar passos atrás, quando uma escuridão avassaladora avançou ao seu encontro, as estrelas os olhos rubi de violência dos seus companheiros. Reparando nos dois que falavam no convés, notou protuberâncias emergindo da sua boca, crescendo até estagnarem tornando-se bicos imundos de um amarelo forte. Nos semblantes desses mesmos homens emergiam penas débeis, farrapos de uma quimera de pesadelo – um homem-ave sanguinário e cruel, raiz de todo o mal. Pareciam continuar as suas acções, sempre vislumbrando Aníbal como se ele fosse um assunto a resolver logo que acabassem as suas tarefas. Por fim todos se voltaram para ele e as costas vergaram-se abaixo para depois se encarquilharem num estranho ritual pré-carnificina. Os olhos encovados e cada vez maiores e mais vermelhos rugiam as badaladas sónicas de um inferno anterior ao tempo, ciclónico e destrutivo que se abatia sobre o homem.
Aníbal sabia que já tinha visto aquelas figuras monstruosas no mar oriental, algo que tentara esquecer fazia já muitos anos, reconheceu-lhe também a loucura que se abeirava de si e o cheiro de um sangue voraz. Sentia-se a ensandecer, tal como o fizera há anos frente aos paquistaneses. O pesado cenário desenrolou-se até que um dos 5 homens se chegou à frente, voltou o bico para o céu incandescente e ululou um grasnar gutural. Os restantes imitaram-no e o grasnar horrendo tornou-se numa parede de som baça e pantanosa. Aníbal sabia o que as criaturas estavam a fazer e percorreu-lhe um arrepio frio em toda a sua espinha à medida que ia perdendo as forças. Os monstros chamavam outros, o grasnar nada mais era que um farol de som que se libertava para a atmosfera distante. Qualquer um que ouvisse aquele som viria e Aníbal sabia que muitos mais aguardavam nos recantos mais sujos do oceano, pois esta era a sua casa e ele, mais uma vez, um intruso.
Num último esforço, trouxe as mãos à cintura para tocar a superfície polida da sua saif. Sentiu um puxão nas calças e ao olhar a seu lado deu com o rosto franzino do rapaz e todas as cores se alteraram, e afinal já não havia céus vermelhos como se o mundo estivesse prestes a chegar ao fim e não havia o brilho no mar, apenas o sol e o vento em rajadas descontínuas. Olhou o resto da tripulação, parecia que nada tinha acontecido, continuavam os seus afazeres, os outros dois na proa prolongavam a sua conversa. Aníbal voltou os olhos novamente para o rapaz que parecia indiferente à sua estupefacção e estado de alerta. O rapaz finalmente pronunciou-se:
- A chinesa. Tens que matar a criança.
terça-feira, outubro 20, 2009
Fogo Da Alma: Parte V
A quinta parte da nossa "emocionante" historia coube ao nosso ilustre convidado, o grande Alpha. Enjoy!
E assim foram… Em direcção ao destino prometido. Prometido de vingança. Prometido de guerra. Prometido de Gloria. Prometendo aqueles que tomam a decisão de iniciar a sua viagem, a redenção final.
Anibal, sabia de antemão que a viagem não iria ser fácil. Seria mesmo uma tormenta. De qualquer das formas, não há nada que possa pagar o que o destino nos pode oferecer.
Iraja, cego pela sua vingança, desde cedo tinha tomado a sua decisão. A ilha era algo que o atormentava. Sabia que lá a sua alma iria descansar. De um modo ou de outro.
Os dias seguintes foram desenhados para programar a viagem, para preparar os seus corpos e almas para a tempestade que viria a seguir…
Com o sol espelhado no mar calmo, uma brisa a passar levemente pela sua face e o som do mar a embater tranquilamente contra o paredão, Anibal contemplava o sossego que aquela imagem lhe proporcionava. Pensava para si quando voltaria a ter esta sensação. Se é que voltaria a sentir-se deste modo. Emaranhado nestes pensamentos..
“Estamos prontos…” – Revelou Iraja, afastando Anibal do seu pensamento
“Mas há algo que lhe queria pedir antes de partir…” - Disse Iraja com algum receio de ser mal interpretado, afinal de contas conheciam-se á tão pouco tempo.
“Encontrei este jovem, que me tem vindo a pedir insistentemente para se juntar a nós nesta viagem. Julgo que não haverá problema”
“Não há? Mas esse rapazito tem a noção para onde vai? ” - Respondeu Anibal
“Ele diz que sabe ao que vai… e diz ter informações preciosas acerca do nosso destino”
“Como pode um rapazito desses ter informação sobre o sitio para onde vamos? De qualquer das formas, não há tempo a perder. Se o quiseres levar, fica á tua conta.”
O rapaz tinha um aspecto estranho. Pouco comum para época, mas não parecia ser uma ameaça devido ao seu aspecto franzino. Contudo, Anibal manteve-se desconfiado.
E assim foram… Em direcção ao destino prometido. Prometido de vingança. Prometido de guerra. Prometido de Gloria. Prometendo aqueles que tomam a decisão de iniciar a sua viagem, a redenção final.
Anibal, sabia de antemão que a viagem não iria ser fácil. Seria mesmo uma tormenta. De qualquer das formas, não há nada que possa pagar o que o destino nos pode oferecer.
Iraja, cego pela sua vingança, desde cedo tinha tomado a sua decisão. A ilha era algo que o atormentava. Sabia que lá a sua alma iria descansar. De um modo ou de outro.
Os dias seguintes foram desenhados para programar a viagem, para preparar os seus corpos e almas para a tempestade que viria a seguir…
Com o sol espelhado no mar calmo, uma brisa a passar levemente pela sua face e o som do mar a embater tranquilamente contra o paredão, Anibal contemplava o sossego que aquela imagem lhe proporcionava. Pensava para si quando voltaria a ter esta sensação. Se é que voltaria a sentir-se deste modo. Emaranhado nestes pensamentos..
“Estamos prontos…” – Revelou Iraja, afastando Anibal do seu pensamento
“Mas há algo que lhe queria pedir antes de partir…” - Disse Iraja com algum receio de ser mal interpretado, afinal de contas conheciam-se á tão pouco tempo.
“Encontrei este jovem, que me tem vindo a pedir insistentemente para se juntar a nós nesta viagem. Julgo que não haverá problema”
“Não há? Mas esse rapazito tem a noção para onde vai? ” - Respondeu Anibal
“Ele diz que sabe ao que vai… e diz ter informações preciosas acerca do nosso destino”
“Como pode um rapazito desses ter informação sobre o sitio para onde vamos? De qualquer das formas, não há tempo a perder. Se o quiseres levar, fica á tua conta.”
O rapaz tinha um aspecto estranho. Pouco comum para época, mas não parecia ser uma ameaça devido ao seu aspecto franzino. Contudo, Anibal manteve-se desconfiado.
segunda-feira, outubro 05, 2009
Fogo Da Alma: Parte IV
A alvorada encontrou Anibal na areia negra com o ultimo cigarro a arder-lhe na boca. A noite tinha partido com a sua corte circense para os salões do passado deixando o pirata no frio corredor do presente. Preso à sua logica, tentava fazer sentido aos acontecimentos mas tal tarefa parecia titanica. O surrealismo da linha temporal gritava no cosmos ensurdecendo os seus pensamentos. À sua frente jazia a sua fiel “saif”, a espada de estilo arabe ainda rubra do sangue dos homens que o tentaram assassinar... Homens que hoje liderava. Homens que pediam nada menos que o sucesso absoluto.
- “Aquele que matou 8 homens de uma só golpada”...
As ondas trouxeram aquelas palavras e as memorias que cavalgavam com elas...
Há 5 anos atras, Anibal, o filho de pescadores portugueses que tinha quebrado o ciclo de serventia e pobreza que o prendia a terra lusa, partira para a Asia em busca da liberdade absoluta e da riqueza com que pavimentara os seus sonhos. Nessa altura ele era apenas Anibal, o contrabandista... Mas tudo isso mudou na batalha de Karashi. O capitão da frota pirata onde Anibal tinha embarcado, bebado pelo sucesso e a gloria de varios saques sem oposição, levado pela loucura do ouro e no alto da sua megalomania, planeou atacar o coração do comercio maritimo paquistanês: A cidade portuaria de Karashi.
O ataque foi um erro e um fracasso. Quatro naus cheias de piratas pouco podiam fazer contra a magnificencia da frota do Khan paquistanês, dotada das mais modernas maquinas de matar. As ondas vermelhas banharam o porto durante dias a fio até o mar reclamar a sua parcela do saque... Mas das cinzas dos barcos piratas nasceu uma lenda. A lenda dum homem de cabelos negros, armado com uma saif, saltando de barco em barco envolto em loucura e com selvajaria no sangue. Um espirito de vingança nascido daqueles que pereceram, reclamando a vida de dezenas de marinheiros paquistaneses enquanto rasgava a linha da frente. Esse homem era Anibal. Mas nem ele sabia explicar o que tinha acontecido. O que fosse que o possuiu levou consigo as suas acções e deixou um vazio na memoria do portugues.
Sacudindo as recordações e os pensamentos que o atormentavam e a areia negra das suas calças, o pirata ergueu-se e caminhou em direcção a cidade. Agora apenas o presente importava. Era tempo de voltar ao covil de Iraja...
***
O covil cheirava a mofo e tinha o chão forrado com piratas bebados ainda agarrados as garrafas de vinho da noite anterior. Ao fundo da sala Iraja, com seu olhar dementemente lucido, brincava com a sua petiz prisioneira revestida com um humilde vestido de rafia. Anibal continuava a não confiar naquela matilha que na noite anterior o tentara assassinar antes de o coroar em gloria, aclamando-o como um messias prometido por algum esquecido oraculo. A mão esquerda do portugues descansava nervosamente sobre o cabo da espada enquanto os seus olhos varriam todo o ambiente.
- Já temos rumo irmão pirata? – questionou Iraja, saindo do transe que a sua pequena cativa lhe infligia.
- Sim, iremos para oriente. Haverá bom saque e pouca resistencia.
- E porque não para sul meu irmão?
- Não existe nada para sul Iraja. Sabes isso tão bem como eu.
- Não existem certezas... Mas existem lendas pirata. Sabes do que falo... – retorquiu Iraja enquanto brincava com o cabelo da sua pequena escrava caindo novamente numa realidade que não pertencia aquele momento.
Mas Anibal percebeu em que direcção caminhava aquele espirito perturbado: A Ilha de Amardadestão.
- “Aquele que matou 8 homens de uma só golpada”...
As ondas trouxeram aquelas palavras e as memorias que cavalgavam com elas...
Há 5 anos atras, Anibal, o filho de pescadores portugueses que tinha quebrado o ciclo de serventia e pobreza que o prendia a terra lusa, partira para a Asia em busca da liberdade absoluta e da riqueza com que pavimentara os seus sonhos. Nessa altura ele era apenas Anibal, o contrabandista... Mas tudo isso mudou na batalha de Karashi. O capitão da frota pirata onde Anibal tinha embarcado, bebado pelo sucesso e a gloria de varios saques sem oposição, levado pela loucura do ouro e no alto da sua megalomania, planeou atacar o coração do comercio maritimo paquistanês: A cidade portuaria de Karashi.
O ataque foi um erro e um fracasso. Quatro naus cheias de piratas pouco podiam fazer contra a magnificencia da frota do Khan paquistanês, dotada das mais modernas maquinas de matar. As ondas vermelhas banharam o porto durante dias a fio até o mar reclamar a sua parcela do saque... Mas das cinzas dos barcos piratas nasceu uma lenda. A lenda dum homem de cabelos negros, armado com uma saif, saltando de barco em barco envolto em loucura e com selvajaria no sangue. Um espirito de vingança nascido daqueles que pereceram, reclamando a vida de dezenas de marinheiros paquistaneses enquanto rasgava a linha da frente. Esse homem era Anibal. Mas nem ele sabia explicar o que tinha acontecido. O que fosse que o possuiu levou consigo as suas acções e deixou um vazio na memoria do portugues.
Sacudindo as recordações e os pensamentos que o atormentavam e a areia negra das suas calças, o pirata ergueu-se e caminhou em direcção a cidade. Agora apenas o presente importava. Era tempo de voltar ao covil de Iraja...
***
O covil cheirava a mofo e tinha o chão forrado com piratas bebados ainda agarrados as garrafas de vinho da noite anterior. Ao fundo da sala Iraja, com seu olhar dementemente lucido, brincava com a sua petiz prisioneira revestida com um humilde vestido de rafia. Anibal continuava a não confiar naquela matilha que na noite anterior o tentara assassinar antes de o coroar em gloria, aclamando-o como um messias prometido por algum esquecido oraculo. A mão esquerda do portugues descansava nervosamente sobre o cabo da espada enquanto os seus olhos varriam todo o ambiente.
- Já temos rumo irmão pirata? – questionou Iraja, saindo do transe que a sua pequena cativa lhe infligia.
- Sim, iremos para oriente. Haverá bom saque e pouca resistencia.
- E porque não para sul meu irmão?
- Não existe nada para sul Iraja. Sabes isso tão bem como eu.
- Não existem certezas... Mas existem lendas pirata. Sabes do que falo... – retorquiu Iraja enquanto brincava com o cabelo da sua pequena escrava caindo novamente numa realidade que não pertencia aquele momento.
Mas Anibal percebeu em que direcção caminhava aquele espirito perturbado: A Ilha de Amardadestão.
segunda-feira, setembro 28, 2009
O Fogo da Alma: Parte III
- … Tenho algo que acharás muito interessante.
Iraja seguia em frente minguando pelo cais todo ossos e roupa andrajosa. Contornaram uma última esquina onde o mar surgia até ao horizonte espelhando o azul das estrelas. Nessa altura e já longe do centro da cidade, o som era o da rebentação nas areias negras e foi aí que um ritmo despontou no embate cadenciado das botas de Iraja contra o empedrado imundo. Tuc – Tuc. Rebentação. Tuc – Tuc. Rebentação.
E enquanto se encaminhavam em incerta direcção
O velho balbuciava coisas na alucinação
De forças esquecidas algures, decrépitas assombrações
Erguia o cálice imaginário e bebia às constelações
- Já sabíamos tudo de ti, Pirata
- Aquele que matou 8 homens de uma só golpada – Pirata
- Alguém que roubou das finas casas ouro e prata
- Viajou os mares à boleia da astúcia – Pirata!
- Coisas já esquecidas dos tempos dos grandes clarões
- Porcelanas, motas e alçapões
- Por isso segue-me, pelo caminho de Valhala
- E falando em alçapões é mesmo por acolá
Descendo por um grande alçapão
Desembocaram numa escura e estranha hibernação
De 9 homens estendidos no soalho da madeira
Pontapeando-os a todos, Iraja retirou-lhes a canseira
- Vejam Vejam escravos camaradas
- Aníbal veio e juntou-se ao clã – camaradas!
- Percorreremos os oceanos do poente e cataratas
- Brindaremos às deusas depois das sortes consumadas.
- Tragam-me a pequena e o que ela trazia
- Verás pelos teus olhos uma estranha que arrepia
- Olhos rasgados e pele amarela
- Tragam a chinesa e tirem-na da cela!
E a criança veio, um rosto carregado de dez anos
Singulares maneiras e trejeitos ufanos
- Mira Pirata, a pequena Princesa
- Temos caminho à frente pleno de certeza!
Chegaram os ouros, diamantes e aparelhos
E Iraja prosseguiu nos discursos evangelhos
- A pequena veio de longe, e rumemos lá de fragata!
- Conquistas para sempre teremos nós e o Pirata!
Iraja seguia em frente minguando pelo cais todo ossos e roupa andrajosa. Contornaram uma última esquina onde o mar surgia até ao horizonte espelhando o azul das estrelas. Nessa altura e já longe do centro da cidade, o som era o da rebentação nas areias negras e foi aí que um ritmo despontou no embate cadenciado das botas de Iraja contra o empedrado imundo. Tuc – Tuc. Rebentação. Tuc – Tuc. Rebentação.
E enquanto se encaminhavam em incerta direcção
O velho balbuciava coisas na alucinação
De forças esquecidas algures, decrépitas assombrações
Erguia o cálice imaginário e bebia às constelações
- Já sabíamos tudo de ti, Pirata
- Aquele que matou 8 homens de uma só golpada – Pirata
- Alguém que roubou das finas casas ouro e prata
- Viajou os mares à boleia da astúcia – Pirata!
- Coisas já esquecidas dos tempos dos grandes clarões
- Porcelanas, motas e alçapões
- Por isso segue-me, pelo caminho de Valhala
- E falando em alçapões é mesmo por acolá
Descendo por um grande alçapão
Desembocaram numa escura e estranha hibernação
De 9 homens estendidos no soalho da madeira
Pontapeando-os a todos, Iraja retirou-lhes a canseira
- Vejam Vejam escravos camaradas
- Aníbal veio e juntou-se ao clã – camaradas!
- Percorreremos os oceanos do poente e cataratas
- Brindaremos às deusas depois das sortes consumadas.
- Tragam-me a pequena e o que ela trazia
- Verás pelos teus olhos uma estranha que arrepia
- Olhos rasgados e pele amarela
- Tragam a chinesa e tirem-na da cela!
E a criança veio, um rosto carregado de dez anos
Singulares maneiras e trejeitos ufanos
- Mira Pirata, a pequena Princesa
- Temos caminho à frente pleno de certeza!
Chegaram os ouros, diamantes e aparelhos
E Iraja prosseguiu nos discursos evangelhos
- A pequena veio de longe, e rumemos lá de fragata!
- Conquistas para sempre teremos nós e o Pirata!
domingo, setembro 13, 2009
O Fogo da Alma: Parte II
Hoje venho apresentar a 2ª parte da nossa historia. Escrita pelo nosso "Guest author" de imenso talento The Chintz. Enjoy!
O comum ser humano vive na sombra da sua imaginação e no seu desejo pitoresco, sem conseguir libertar-se da clausura ilusória onde vagueia desnorteado. O comum ser humano, mestre da sua auto-sociologia, convenceu-se que a evolução social se faria na ascensão das potencialidades, rumo à perfeição que tanto desejava alcançar, limitando e corrompendo todo o processo da dialéctica, misturando no sistema de racionalidade a confusão das emoções primitivas. O comum ser humano, espécime capaz de prever o desencadear do futuro, arrojou-se a profetizar uma caminhada ao requinte estádio da excelência biológica, uma caminhada que se desenvolveria naturalmente, uma caminhada que estaria prescrita nos papiros de uma civilização antiga, uma caminhada que um oráculo insuspeito previa como «imperturbável, inalterável, fixada no destino à grandiosidade». O comum ser humano, denominado por homo sapiens, acabaria por recalcar no esquecimento as filosofias do darwinismo, onde Charles Darwin, num momento de rara iluminação, defendia que a perfeição é antítese da evolução, contrapondo todo o idealismo que rodeia a mente iludida das massas humanas. Pois bem, o comum ser humano vive na ilusão que está predestinado à perfeição por via das forças naturais, convencido que para isso bastará cruzar os braços e atender que o tempo traga a encomenda do destino: a mais adaptada espécie animal que respirou no seio do universo existente. O comum ser humano não podia estar mais enganado, toda a evolução – seja biológica ou social – não se traça numa linha unidireccional com sentido ascendente. Exemplificando com contextos históricos, temos na biologia a exterminação maciça da ordem dos titãs que dominou a fauna terrestre durante milhões de anos; no caso social temos a queda das civilizações romanas e gregas e a consequente permuta por povos bárbaros. A evolução, a ser traçada, deveria ser semelhante a um monte de gatafunhos esboçado por um autista. Por tudo isto, o comum ser humano não pode convencer-se que a evolução se fará sem que haja fases descendentes, fases que colocarão o homo sapiens à prova, fases que mais se assemelharão à regressão do que à evolução. O conto que se escreve vive numa dessas fases, numa era de descrença e de decadência, uma época nunca prevista pelo comum ser humano, num período que não foge à imagem da Idade Média e que os optimistas esperam que seja só um pequeno percalço na longa caminhada ao Olimpo da perfeição.
2015 – Fase final da crise económica que estalou em 2008
As diferentes potências mundiais viviam num clima intenso de animosidade crescente, até ao inevitável ponto de rotura que facilmente se podia prever, e quando a rotura se deu, não estivéssemos nós a falar das sociedades humanas, os conflitos armados dominaram o quotidiano mundial. Contudo, ao contrário das antecedentes discórdias, o globo não fora decomposto, convenientemente, em eixo do mal e em eixo do bem, mas sim em diferentes eixos, em diferentes desaguisados que rebentaram no mesmo espaço temporal, arrastando todo o planeta terrestre numa temporada de infindáveis campanhas militares. Infelizmente, numa época de assinaláveis feitos tecnológicos, qualquer guerra de proporções globais acabam por adquirir contornos de apocalipse, não fosse o comum ser humano um indivíduo inconsciente das consequências dos seus acessos de fúria.
Em 2021, qualquer transeunte que estivesse a deambular em Marte, acabaria por se deslumbrar com o fogo-de-artifício nuclear que sobrevinha do planeta já-não-tão azul, mas o fascínio rapidamente cedia lugar ao pavor, quando findado as contendas bélicas se analisavam o que restara da cultura humana. Lançando uma avaliação contingente, ainda sem fontes confirmadas, estimava-se um extermínio de nove décimos da população mundial, e se a estimativa é grotesca e inverosímil, então serve perfeitamente para ilustrar a calamidade que se abateu sobre o planeta.
A acção onde sucede este conto ocorre no ano 2088, e pasmem-se os distraídos, o comum ser humano não se deslocava em viaturas voantes, não existiam de todo máquinas robóticas semelhantes ao ser humano, nem apareciam clones para a imortalidade do novo homo sapiens. Será uma regressão da sociedade às sombras da Idade Média, com um novo regime proto-feudal, cuja massa humana experimentava uma aversão às tecnologias e à ciência. As cidades reconstruíam-se na rigidez das clássicas pedras e as sociedades reviviam o labor esclavagista, as estradas empedradas enchiam-se de carroças e carrucas, os oceanos tradicionais vacilavam as naus e as caravelas vigorosas. A barbaridade reinstalara-se nos hábitos sociais, muitas vezes imposta pela escravatura vigorante, e os que não se sujeitavam às correias dos feudais viviam do contrabando e das piratarias casuais. Ora bem, é aqui onde se contextualiza o nosso protagonista: filho da antiga pátria lusitana, um Marv de vísceras portuguesas, uma besta medieval que apelidavam de Aníbal.
Aníbal, descendente de pescadores pobres, insurgiu-se contra a precariedade do trabalho emancipando-se rumo ao contrabandismo. Anos depois, a convite dos colegas da má-vida, juntou a arte de navegar – conhecimento adquirido nas tradições familiares – e a arte do furto, do saque e do assassínio. Contudo, é preciso entender que Aníbal é mais do que um mero ícone à criminalidade cruel; Aníbal é um símbolo da insurreição à impiedade feudalista; Aníbal é um Clint Eastwood de sabre fulgente; E acima de tudo, distanciando-se das massas sociais, Aníbal não é um comum ser humano.
O comum ser humano vive na sombra da sua imaginação e no seu desejo pitoresco, sem conseguir libertar-se da clausura ilusória onde vagueia desnorteado. O comum ser humano, mestre da sua auto-sociologia, convenceu-se que a evolução social se faria na ascensão das potencialidades, rumo à perfeição que tanto desejava alcançar, limitando e corrompendo todo o processo da dialéctica, misturando no sistema de racionalidade a confusão das emoções primitivas. O comum ser humano, espécime capaz de prever o desencadear do futuro, arrojou-se a profetizar uma caminhada ao requinte estádio da excelência biológica, uma caminhada que se desenvolveria naturalmente, uma caminhada que estaria prescrita nos papiros de uma civilização antiga, uma caminhada que um oráculo insuspeito previa como «imperturbável, inalterável, fixada no destino à grandiosidade». O comum ser humano, denominado por homo sapiens, acabaria por recalcar no esquecimento as filosofias do darwinismo, onde Charles Darwin, num momento de rara iluminação, defendia que a perfeição é antítese da evolução, contrapondo todo o idealismo que rodeia a mente iludida das massas humanas. Pois bem, o comum ser humano vive na ilusão que está predestinado à perfeição por via das forças naturais, convencido que para isso bastará cruzar os braços e atender que o tempo traga a encomenda do destino: a mais adaptada espécie animal que respirou no seio do universo existente. O comum ser humano não podia estar mais enganado, toda a evolução – seja biológica ou social – não se traça numa linha unidireccional com sentido ascendente. Exemplificando com contextos históricos, temos na biologia a exterminação maciça da ordem dos titãs que dominou a fauna terrestre durante milhões de anos; no caso social temos a queda das civilizações romanas e gregas e a consequente permuta por povos bárbaros. A evolução, a ser traçada, deveria ser semelhante a um monte de gatafunhos esboçado por um autista. Por tudo isto, o comum ser humano não pode convencer-se que a evolução se fará sem que haja fases descendentes, fases que colocarão o homo sapiens à prova, fases que mais se assemelharão à regressão do que à evolução. O conto que se escreve vive numa dessas fases, numa era de descrença e de decadência, uma época nunca prevista pelo comum ser humano, num período que não foge à imagem da Idade Média e que os optimistas esperam que seja só um pequeno percalço na longa caminhada ao Olimpo da perfeição.
2015 – Fase final da crise económica que estalou em 2008
As diferentes potências mundiais viviam num clima intenso de animosidade crescente, até ao inevitável ponto de rotura que facilmente se podia prever, e quando a rotura se deu, não estivéssemos nós a falar das sociedades humanas, os conflitos armados dominaram o quotidiano mundial. Contudo, ao contrário das antecedentes discórdias, o globo não fora decomposto, convenientemente, em eixo do mal e em eixo do bem, mas sim em diferentes eixos, em diferentes desaguisados que rebentaram no mesmo espaço temporal, arrastando todo o planeta terrestre numa temporada de infindáveis campanhas militares. Infelizmente, numa época de assinaláveis feitos tecnológicos, qualquer guerra de proporções globais acabam por adquirir contornos de apocalipse, não fosse o comum ser humano um indivíduo inconsciente das consequências dos seus acessos de fúria.
Em 2021, qualquer transeunte que estivesse a deambular em Marte, acabaria por se deslumbrar com o fogo-de-artifício nuclear que sobrevinha do planeta já-não-tão azul, mas o fascínio rapidamente cedia lugar ao pavor, quando findado as contendas bélicas se analisavam o que restara da cultura humana. Lançando uma avaliação contingente, ainda sem fontes confirmadas, estimava-se um extermínio de nove décimos da população mundial, e se a estimativa é grotesca e inverosímil, então serve perfeitamente para ilustrar a calamidade que se abateu sobre o planeta.
A acção onde sucede este conto ocorre no ano 2088, e pasmem-se os distraídos, o comum ser humano não se deslocava em viaturas voantes, não existiam de todo máquinas robóticas semelhantes ao ser humano, nem apareciam clones para a imortalidade do novo homo sapiens. Será uma regressão da sociedade às sombras da Idade Média, com um novo regime proto-feudal, cuja massa humana experimentava uma aversão às tecnologias e à ciência. As cidades reconstruíam-se na rigidez das clássicas pedras e as sociedades reviviam o labor esclavagista, as estradas empedradas enchiam-se de carroças e carrucas, os oceanos tradicionais vacilavam as naus e as caravelas vigorosas. A barbaridade reinstalara-se nos hábitos sociais, muitas vezes imposta pela escravatura vigorante, e os que não se sujeitavam às correias dos feudais viviam do contrabando e das piratarias casuais. Ora bem, é aqui onde se contextualiza o nosso protagonista: filho da antiga pátria lusitana, um Marv de vísceras portuguesas, uma besta medieval que apelidavam de Aníbal.
Aníbal, descendente de pescadores pobres, insurgiu-se contra a precariedade do trabalho emancipando-se rumo ao contrabandismo. Anos depois, a convite dos colegas da má-vida, juntou a arte de navegar – conhecimento adquirido nas tradições familiares – e a arte do furto, do saque e do assassínio. Contudo, é preciso entender que Aníbal é mais do que um mero ícone à criminalidade cruel; Aníbal é um símbolo da insurreição à impiedade feudalista; Aníbal é um Clint Eastwood de sabre fulgente; E acima de tudo, distanciando-se das massas sociais, Aníbal não é um comum ser humano.
terça-feira, abril 14, 2009
O Fogo da Alma
Anibal entrou na noite. O aroma do mar e das especiarias invadiram os seus pulmões. Caminhando pelo deserto das ruas, sentia-se em paz. Nunca se enquadrara em ambientes alegres. Preferia a serenidade da solidão. Era o seu refugio e o seu reino. Mas Anibal não estava sozinho, as sombras rastejavam no seu encalço emprestando vida a rua.
Sem aviso a primeira sombra abateu-se sobre ele, adaga em punho, almejando o coração do portugues. Mas Anibal tava desperto e com um movimento circular desembainhou o seu sabre de estilo arabe e fez a lamina beijar o corpo do seu adversario. A sombra caiu no chão ao mesmo tempo que as suas visceras pintavam o solo de escarlate. A Lua agora iluminava agora o beco onde se encontravam. O espirito de Anibal estava alterado. O homem calmo e melancolico tinha dado lugar a um ser de ferro e fogo. O seu olhar continha um brilho selvagem- o homem tinha sido eclipsado pelo Animal. A segunda e terceira sombra, depois duma leve hesitação lançaram-se ao ataque. O portugues lançou-se na sua direcção, imerso por completo no seu instinto de sobrevivencia. O segundo homem investiu, mais uma vez lançando-se ao coração da sua vitima, mas com um movimento felino o portugues desviou-se e cravou o seu sabre no coração do homem, fazendo-o provar assim o seu proprio veneno. Com a velocidade dum relampago, retirou a adaga da mão do agora cadaver e lançou-a na direcção do terceiro assassino, que apenas a viu por breves instantes quando esta já estava alojada na sua cabeça. Recuperando o seu sabre, Anibal virou a sua atenção para o unico membro do grupo que ainda respirava
- Quem és tu e o que queres?- Rugiu o portugues, preparando-se para uma nova investida.
- O meu nome é Iraja – Disse o homem enquanto avançava para a luz lunar revelando o seu aspecto mirrado e idoso, que contrastava com o vigoroso e jovem portugues – És tu aquele que eles chamam de Anibal?
- Sim, é esse o meu nome – respondeu o portugues, dando sinais de um retorno da calmaria.- Que queres de mim?
- Quero que me sigas pirata. Tenho algo que acharas muito interessante...
Sem aviso a primeira sombra abateu-se sobre ele, adaga em punho, almejando o coração do portugues. Mas Anibal tava desperto e com um movimento circular desembainhou o seu sabre de estilo arabe e fez a lamina beijar o corpo do seu adversario. A sombra caiu no chão ao mesmo tempo que as suas visceras pintavam o solo de escarlate. A Lua agora iluminava agora o beco onde se encontravam. O espirito de Anibal estava alterado. O homem calmo e melancolico tinha dado lugar a um ser de ferro e fogo. O seu olhar continha um brilho selvagem- o homem tinha sido eclipsado pelo Animal. A segunda e terceira sombra, depois duma leve hesitação lançaram-se ao ataque. O portugues lançou-se na sua direcção, imerso por completo no seu instinto de sobrevivencia. O segundo homem investiu, mais uma vez lançando-se ao coração da sua vitima, mas com um movimento felino o portugues desviou-se e cravou o seu sabre no coração do homem, fazendo-o provar assim o seu proprio veneno. Com a velocidade dum relampago, retirou a adaga da mão do agora cadaver e lançou-a na direcção do terceiro assassino, que apenas a viu por breves instantes quando esta já estava alojada na sua cabeça. Recuperando o seu sabre, Anibal virou a sua atenção para o unico membro do grupo que ainda respirava
- Quem és tu e o que queres?- Rugiu o portugues, preparando-se para uma nova investida.
- O meu nome é Iraja – Disse o homem enquanto avançava para a luz lunar revelando o seu aspecto mirrado e idoso, que contrastava com o vigoroso e jovem portugues – És tu aquele que eles chamam de Anibal?
- Sim, é esse o meu nome – respondeu o portugues, dando sinais de um retorno da calmaria.- Que queres de mim?
- Quero que me sigas pirata. Tenho algo que acharas muito interessante...